terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os espelhos (por V.´.M.´.Gilvane F. Garcia)

Quando somos espelhos
O homem não gosta de se ver no espelho e usa as virtudes capitais como se fossem valores naturais na espécie e não o resultado de um rígido controle dos instintos em busca do autoconhecimento.
Afirmar categoricamente que o egoísmo faz parte da natureza humana faz com que vozes se levantem com inúmeros argumentos para negar à afirmativa.
São muitas as qualidades que ajudam a encobrir o óbvio, mas, como tudo que foge à verdade, há um momento em que a redoma da hipocrisia se desfaz e o ser humano não tem alternativa senão se render às evidências, geradas por sua própria experiência.
É bem verdade que muitos de nós nem chegaremos a nos incomodar com determinados sentimentos; muitos nem fomos tocados pelas virtudes e pela necessidade de aprimorar o caráter e o espírito.
Assim, movidos por um instinto gregário e social aceitamos, sem qualquer reflexão, aquilo que é comum a todos nós.
Todos entendemos que a vaidade é a conseqüência do egoísmo que se vê limitado pela sociedade.
Vaidade é este desejo de estar sempre em evidência e que mostra apenas um malabarista que improvisa virtudes que nem sempre tem o que também não quer dizer que a vaidade seja sinônima de incompetência.
Para Aristóteles, as virtudes e os vícios podem ser definidos pelo critério do excesso, da falta e da moderação.
O vício sempre seria uma conduta ou um sentimento excessivo ou deficiente. Já a virtude seria o sentimento ou conduta moderado.
Para o filósofo, a vaidade peca pelo excesso, a modéstia pela deficiência e a virtude estaria no respeito próprio, diante da vaidade ou da modéstia. Mais uma vez, encontramos a triangulação que encontra no centro a justiça e a perfeição das nossas atitudes e comportamentos.
A vaidade personificada tem sua origem na mitologia grega. Narciso era um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco e foi punido com a maldição de apaixonar-se de forma incontrolável por sua própria imagem refletida na água.
Sendo eco e reflexo de si mesmo e não podendo levar a termos sua própria paixão, Narciso se suicida por afogamento. Na realidade, este é um assunto que podemos debater a partir do ponto de vista da filosofia, mas que o nosso saber prático permite que todos tenham condições de falar e construir um pensamento a este respeito.
Neste sentido, a arte desempenha um importante papel, na medida em que nos proporciona as grandes noções da vida, por meio de uma experiência emocional. É assim com a literatura, com a música, com o teatro, com a dança.
Identificamo-nos com os personagens e isto nos proporciona uma catarse, uma descarga de desordens emocionais que nos purifica. Interessante observar que para o artista, o simples fato de representar o coloca nos dois lados da questão, além de poder se identificar com os conflitos internos na pele dos personagens, também pode se esconder deles com a mesma ferramenta.
A vaidade, nestes casos, fica encoberta pelo talento, pela contingência profissional, o mostrar-se é socialmente aceito e o palco acolhe a sua grande explosão. Não é de se estranhar que a maioria dos artistas se diz tímida.
A alma humana é a mais completa de todas, não é só instinto, é também sensível, mas o grande diferencial está na racionalidade.
O que nos faz humanos não é deixar fluir os nossos instintos, mas fazermos o uso racional deles.
Em princípio, o ser humano quer ser feliz e para isso pode se contentar com a posse e contato com seus objetos de prazer, como pode precisar alimentar a sua vaidade por meio do reconhecimento de sua excelência pessoal pelo outro.
O homem também pode entender que a felicidade é possível por estar bem consigo mesmo.
É quando ele próprio se reconhece em sua magnitude e busca se premiar por isso, com comportamentos compatíveis com sua maneira de pensar, com valores voltados para si mesmo e que podem ser consumidos no viver bem e na busca da felicidade.
Este é um aspecto do egoísmo que o mal não é real; o que se evidencia é o respeito a si mesmo, e isto é uma virtude.
A presunção mal fundada de si traz em seu seio situações embaraçosas, notadamente na Maçonaria, visto que aqui todos se tratam por Irmãos e presume-se que a verdade deve imperar sempre.
A tão propalada vaidade feminina não traz conseqüências, pois se atém tão-somente na área de estética. A masculina quando não se atém às futilidades torna-se algo de preocupação, encerra-se muitas vezes em disputas desnecessárias, gerando graves problemas de ordem interna, principalmente quando essa vaidade inclui fator poder.
O fator poder é inerente ao ser humano, na Maçonaria no desbastar da Pedra Bruta, ou seja, no seu próprio burilamento cada um recebe a incumbência de burilar a si próprio e aos que estão a sua volta.
Arvorar-se na condição do dever cumprido, de ser possuidor de títulos ou de possuir extensa bagagem maçônica, não contribui em nada para os destinos da Ordem.
Maçonaria se faz no dia-a-dia, na conquista permanente de novos adeptos e na tentativa da melhoria constante da espécie humana. A busca incessante e permanente da verdade faz da Sublime Instituição, organização sem similar.
A permanência da Maçonaria como instituição respeitável como é, deve necessariamente contar com a renúncia das possíveis vaidades de seus membros para o bem comum.
Mas, vemos com freqüência Irmãos desentendidos ou que se fazem de desentendidos, querendo manter a ferro e fogo o seu círculo de poder. Apesar da inerência do poder ao ser humano, o Maçom pelos ensinamentos recebidos não pode a isso se ater.
A perpetuação de uma instituição passa, com absoluta certeza, pelo grau de compreensão de seus membros e na renovação sistemática de suas lideranças. Cabe a cada um de seus membros renunciarem às vaidades e presunções infundadas para o bem.
A título de exemplo, tem Irmãos que gostam de apologizar-se, em descumprir a legislação em vigor, criando com esses atos bolsões de intransigências, que mais tarde derivam-se na mais pura vaidade e arrogância de ser um descumpridor, notadamente, de um poder que não tem coercitividade, que afinal é o caso da Maçonaria.
Para vivermos em Igualdade, sem qualquer Grau de subordinação, é muito difícil; porém, dentro da Maçonaria é necessário.
Não basta respeitar ao Irmão como homem, deve respeitar como Maçom. Não importa qual o Grau ou Rito que freqüente, importa sim, o respeito pelo ato da Iniciação e pela instituição a que o Maçom pertence.
Esta diversidade que o Maçom possui, deve ela crescer sempre em benefício da ordem, e não transformar-se em um poço de orgulho, egoísmo e vaidade.
Ter vaidade de ser Maçom é muito bom e proveitoso, mas ser um Maçom vaidoso e refém do poder, com absoluta certeza, não trará qualquer benefício à Ordem e aos Irmãos.
Os três principios de sustentação da Maçonaria: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não devem ser distorcidas de sua real finalidade. Ao viciar qualquer ensinamento ou distorcê-lo é um perjúrio, os Irmãos devem ter consciência disso.
As reuniões costumeiras e obrigatórias deveriam servir como bálsamo às nossas dificuldades e angústias do dia-a-dia. Infelizmente não é isso que amiúde presenciamos, a praxe é uma guerra surda no sentido de manter posições, ou seja, o “statu quo ante”, isso é incompatível com o princípio da Sublime Instituição.
Entre um homem simplesmente vestido de Avental e um Maçom, tem uma diferença significativa.
O valor monetário que cada um possui, não deveria servir de nível para o empreendimento das ações internas.
Cada expressão monetária entregue para a guarda e aplicação de cada Irmão, feita pelo G.’. A.’. D.’. U.’., deve ser entendida como encargo e não como alavanca do bem ou do mal.
Cada centavo de real confiado a cada um, vai ser exigida a respectiva prestação de contas.
A parábola dos talentos vem a isso confirmar. Ninguém é dono de nada, apenas o seu guardião, os Irmãos devem isso se lembrar, o nivelamento pelo valor monetário disponível por cada um, não serve para a caracterização do reconhecimento e vinculação maçônica.
Cada Irmão deve ser entendido e aceito independentemente, o que vale e significa muito para a Maçonaria são os fatores intrínsecos, isto é, os fatores internos da Ordem, a sua irradiação de valores humanos, hauridos por seus membros em Loja.
A Maçonaria é uma escola de humanismo e disso ninguém pode duvidar. Tanto no estudo da filosofia, da filologia e no campo social, a Maçonaria incute aos seus adeptos essa capacidade de modificação no comportamento e na visão geral da sociedade, notadamente, nas condutas de moral e ética.
Portanto, dentro da Ordem, não há espaço para as vaidades pessoais, devemos sim, preservá-la e mantê-la fora dessas situações tão comprometedoras de seu futuro. Não temos o direito de atentar contra seus sublimes princípios.
Reflitamos de nossas atitudes.